ARTIGO
*Por Jacira Maria da Costa Silva
O trabalho dos Servidores Penitenciários é muito mais complexo e rigoroso do que se pensa; as atribuições ali desempenhadas não são de interesse público, em especial, a função de Agente Penitenciário, que trabalham sem estrutura, segurança, equipamento, sem nenhum armamento, mesmo não letal, para intervenções rápidas.
Em vários estabelecimentos penais da Federação encontramos superlotação, onde os presos são "controlados" por um número ínfimo de Agentes de Segurança, ou seja, cerca de 1.200, 1.300, 1.500 ou mais reclusos para 12, 15 ou 18 Agentes custodiarem, causando tamanha desproporção, que desafia os maiores matemáticos no quesito proporção.
Como se não bastasse o déficit de pessoal, falta de treinamento, falta de condições mínimas de trabalho, que complicam ainda mais esse quadro, como: Os Agentes recebem instrução, a maioria das vezes, meramente teórica, durante 01 (um) mês, vemos no Estado de Mato Grosso treinamento da Polícia Civil, que dura cerca de 06 (seis) meses, da Polícia Militar 08 (oito) meses e o mesmo preso investigado e capturado pelos policiais treinados vão para o Sistema Prisional para ser custodiado por Agentes destreinados, sob alegação de exigência imediata de pessoal, que são contratados e colocados no serviço, tendo de aprender o mister, graças à sua própria disposição e ao apoio dos colegas, pois o Sistema Prisional tornou-se cabide de emprego político e empresa de servidão de mão-de-obra barata e rápida, como esperar excelência nos Serviços se não há investimento e capacitação do seu pessoal?
O COTIDIANO
O contato estreito com os segregados traz um grave problema aos Agentes, que são as tentações e seduções das mais variadas, desde coisas inocentes, como comprar um cigarro ou levar uma carta para a família, até coisas mais complexas: Celulares, drogas, armas e explosivos, pois verificamos a concretização desses desvios de caráter causados pela ausência do Estado em cumprir o seu papel presencial de incentivador e motivador, mas os seduzidos são a minoria.
Nenhum lugar é mais imprevisível do que uma Unidade Penal, um dia nunca é igual ao outro, ali não existe rotina, a qualquer momento um preso pode se desentender com outro e a briga se generaliza: Acerto de conta, rixa, vingança, disputa de gangs, descumprimento das severas leis internas estabelecidas no convício pelos presos considerados líderes ou uma refeição insossa pode desencadear um motim ou rebelião e nesse momento, os Agentes se encontram na pior de todas às condições, a de refém.
Só quem passou por isso pode dizer como é, não existem palavras ou imagens que possam traduzir a dimensão do terror que é estar em poder daqueles que o desprezam, sua função e sua Instituição, nesse momento, qualquer ação ou palavra pode lhe custar caro, a raiva pode advir também de o Agente ter desempenhado sua atribuição de forma esmerada e exemplar, sua recusa em fazer favores pode resultar em uma sentença nefasta.
Diante desse prisma, observa-se com pesar no Sistema Prisional, que ser um bom Servidor, não é como em outro local, um fato normal, um motivo para promoção, pelo contrário, os Gestores indicados por interesses políticos, sem compromisso ou comprometimento, se sentem ameaçados por qualquer Agente que demonstre o mínimo de competência ou iniciativa, o lema usado, frequentemente, em suas Gestões é: "Quanto pior, melhor!".
Os acertos, mesmo aqueles que estão além de suas funções e obrigações não são valorizados, os erros, por menores que sejam diante das inúmeras vicissitudes por que passam são severamente punidos, não existe a chance para o segundo erro, no primeiro não é só punido como crucificado.
Para Fortes (2009), além de todos esses problemas citados, os Agentes ainda enfrentam uma opinião pública implacável, a menor suspeita de maus tratos, sem constatação da materialidade, contra os indefesos e ingênuos reclusos são obrigados a enfrentar Comissões Administrativas, Igrejas, ONG's, OAB, Promotoria, Defensoria, Judiciário, Direitos Humanos, conselhos instituídos para tais fins e uma mídia que não deseja saber da verdade, mas de audiência, que deixam no ar uma pergunta: "Alguma dessas Entidades foram à casa de algum refém saber como ele está, se precisa de apoio, se esta tendo acompanhamento psiquiátrico e psicossocial ou como foram os empurrões, tapas e surras tomadas dos "coitadinhos" dos presos?"
A prática dos abusos, descasos, arbitrariedades não é característica básica de um Estado, ela é observada em todos os Estados e Distrito Federal, o diferencial entre os mesmos é o grau de intensidade com que a comete.
Uma vez mais usaremos o Estado de Mato Grosso para ilustrar a prática do tratamento dispensada aos Servidores Penitenciários, que é semelhante aos outros Estados, ou seja, a Instituição do Sistema Prisional está subalterna à Secretaria de Justiça, que por sua vez está vinculada à Secretaria de Segurança Pública, sendo as mesmas compostas nos cargos de confiança por indicação política distribuídos nos diversos escalões: A Superintendência Prisional está sob Gestão da PM, a Secretaria de Justiça sob Gestão da PM, a Secretaria de Segurança Pública está sob Gestão da Polícia Federal, a Direção dos Estabelecimentos Penais é dividida entre a PM, apadrinhados político e a minoria das vagas é destinada aos Agentes de Carreira, a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar é presidida pela PM ou PJC, a Corregedoria é presidida pela PM, a Ouvidoria é presidida pela PM, a Diretoria de Ensino Penitenciário é administrada por um apadrinhado político e está por sua vez, subalterna à uma Fundação criada para dar assistência aos segregados.
Nesse emaranhado de poderes, que chance tem os Servidores Prisionais comprometidos com a sociedade de virarem a página vergonhosa, que envolve a questão penitenciária do nosso País? Alguém vê porteiro no comando da PM? Merendeira indicada para assinar Inquérito Policial? Moto boy indicado na lista tríplice do Ministério Público? Cartomante indicada na lista tríplice do Judiciário? Ambulante indicado para presidir o Tribunal de Contas? A intenção aqui não é desprestigiar nenhuma função ou profissão descrita, mas expor os abusos que ocorrem no Sistema Prisional, que levam a mídia anuncia-lo como caótico e falido.
Diz um dito popular: "Cada um no seu quadrado", esse chavão expressa claramente a desorganização do Sistema Prisional, que trata seus Servidores como se fossem desprovidos de um mínimo de inteligência para lidar com a questão em pauta e assistimos estarrecidos a repetição de atos ocorridos nos idos anos de 64 a 85, onde a Ditadura imperava e hoje se encontra revestida de nova maquiagem.
CONCLUSÃO
Sem apoio, sem recursos, sem estrutura, sem treinamento, sem segurança, mesmo diante dos mais variados problemas, os Agentes trabalham com afinco, sem se deixar levar pela mídia ou maledicentes e como é que temos certeza de que eles são esforçados assim? Basta constatar que têm mais presos dentro das celas do que foragidos ou ainda perceber que existem cadeias!
Então, quando alguém for criticar um Agente tente recordar das situações aqui discorridas, quanto às condições de trabalho ofertado pelo Estado, por meio de políticas humilhantes dos Governos descomprometidos com o Estado Democrático de Direito, caso faça isso terá direito de criticar ou se não o fizer, permitirá que a mídia continue com sua retórica vazia, sem apontar o cerne do problema.
Neste momento ímpar em que os poderes constituídos, em conjunto com a sociedade civil, se unem para traçarem novas Diretrizes de enfrentamento à Segurança Pública e Sistema Prisional, por meio da 1ª Conferência de Segurança Pública/CONSEG, vimos, mais uma vez, apresentar o nosso Projeto, PEC 308/04, que traduzirá o sonho secular dos Carcereiros, Vigias, Guardas, Agentes Públicos em Polícia Penal, onde teremos padronização dos serviços e prerrogativas, como: Fim dos contratos e Servidores Prisionais envolvidos com a delicada questão penitenciária, ocupando legitimamente cargos de confiança, onde terão oportunidade de exercerem suas práxis.
Haja vista, o ganho da sociedade, que terá uma Polícia qualificada voltada para a segurança, custódia e escolta, bem como, uma Polícia Técnica qualificada voltada para a ressocialização dos apenados, eis o nosso desafio!
* JACIRA MARIA DA COSTA SILVA, Agente Prisional, Especialista em Gestão Penitenciária, 1ª Secretária no Sindicato dos Investigadores e Agentes Prisionais, SIAGESPOC/MT, 2ª Tesoureira no Conselho de Comunidade, ex-Educadora, ex-Conselheira Tutelar.
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