domingo, 21 de abril de 2013

Carandiru: especialistas aprovam sentença, mas têm dúvidas se vai ser cumprida

SÃO PAULO — A sentença de condenação de 156 anos de prisão para 23 policiais militares acusados acusados de matar 13 dos 111 detentos assassinados durante o massacre do Carandiru, em 1992, foi classificada como “dura, mas sem eficácia” por Marcos Fuchs, diretor-adjunto da ONG Conectas, responsável por levar aos tribunais internacionais os casos de violação de direitos humanos em prisões.


— Os policiais vão responder em liberdade e não acredito que serão presos. O júri pode ser anulado e eles podem recorrer às instâncias superiores. Só para chegar ao Supremo, esse caso levará 10 anos — afirmou Fuchs.
Mesmo desacreditado do cumprimento da pena, Fuchs ponderou que a condenação serve de lição para a sociedade e para a Polícia Militar por mitigar a sensação de impunidade. Para ele, o caso, que tardou 20 anos para ser julgado, também expõe a morosidade da apuração e dificuldade do trabalho de perícia.
— As apurações têm de ser muito mais rápidas, e os laudos precisam ter mais qualidade. O trabalho da perícia foi muito dificultado neste caso, e isso não pode ocorrer — disse.
O criminalista Augusto Arruda Botelho Neto, do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), lembrou que casos como esse, em que os réus podem aguardar os recursos e a apelação em liberdade, não são, em tese, prioritários nas instâncias superiores.
— Os réus responderão ao processo em liberdade e, por isso, poderão aguardar a apelação em liberdade. A prioridade sempre é dada aos casos em que os réus estejam presos. Não conheço casos que tenha sido julgados em menos de um ano — diz Arruda Botelho Neto.
Para magistrado, sociedade deu um recado às autoridades
Para o juiz de direito José Henrique Rodrigues Torres, presidente do conselho executivo da Associação de Juízes para a Democracia (AJD), a sociedade, por meio do júri popular, enviou um recado claro às autoridades não só do período do massacre, em 1992, como aos responsáveis atuais pela condução carcerária:
— Não se trata apenas de uma condenação específica desses policiais, mas de uma condenação ao Estado, de uma política repressiva de segurança pública e de encarceramento. A criminalização individual pode ser importante, mas mais importante é o julgamento da política de Estado, o mais importante é saber o que o Estado fará a respeito.
Torres afirmou ainda que o recado da sociedade não se restringe às autoridades da época, como o ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho, mas também às autoridades atuais.
— É uma condenação a todas as autoridades que são responsáveis pela política de segurança pública. É a afirmação de que a tese de "missão dada é missão cumprida" não vale e não deve valer para casos de violações de direitos humanos — disse o juiz.
Criminalista se surpreendeu com a sentença
Já o criminalista Celso Vilardi se disse surpreso com a sentença determinada na madrugada deste domingo. Para ele, a tendência dos júris populares é inocentar policiais acusados de matar detentos ou pessoas supostamente envolvidas com crimes. Vilardi apontou ainda que, apesar da condenação, a falta de comprovação de individualização das responsabilidades de cada réu pode ser um elemento importante para que a defesa consiga reverter o resultado.
— O que me surpreende é a seriedade do júri, sua coragem de condenar os réus, quando, em casos semelhantes, a tendência é que os policiais acusados de matar pessoas envolvidas em crimes sejam inocentados — disse Vilardi, por telefone ao GLOBO.
O advogado aponta outro fator que considerou importante no julgamento:
— Todo o julgamento me gera uma suspeita da dificuldade de, depois de tantos anos, se comprovar a individualização da conduta de cada réu.
Para Vilardi, a sentença da madrugada deste domingo pode influenciar os demais julgamentos do massacre do Carandiru. Outros 53 policiais também serão julgados este ano pelo massacre, pois o julgamento foi dividido de acordo com o setor do presídio onde ocorreram as mortes.


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