segunda-feira, 25 de julho de 2011

Lei antidrogas aumenta lotação carcerária

Nova legislação aumentou prisões no país, mas deveria resultar em penas comunitárias, afirmam especialistas

Número de pessoas presas por tráfico cresce 118% entre 2006 e o ano passado, segundo dados do governo federal



MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO

O estivador M.V, 19, foi condenado a seis anos de prisão na última terça-feira por ter sido apanhado com 25 gramas de maconha em Angra dos Reis (RJ). Réu primário, vai cumprir pena em Bangu, no Rio, um dos piores presídios do país.
O estudante R. T., 21, ficou dois anos preso em Porto Alegre (RS) por carregar 100 gramas de maconha. Após uma série de recursos, os juízes chegaram à conclusão de que não era traficante -e o mandaram para casa.
Os casos são exemplos extremos da lei que deveria acabar com a pena de prisão para usuários de maconha.
Às vésperas de completar cinco anos, no próximo mês, a lei provocou o efeito contrário ao previsto: é a responsável pela superlotação de presídios, dizem especialistas.
A ideia original era que usuários fossem encaminhados para prestar serviços comunitários ou para assistir palestras sobre drogas -a internação compulsória é vetada no Brasil.
Entre 2006 e 2010, a população carcerária cresceu 37%, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça. O índice equivale a mais de dez vezes a proporção de aumento da população no período (2,5%).
O número dos presos por tráfico no país saltou de 39.700 para 86.591 entre 2006 e 2010-um aumento de 118%, segundo o Depen.
Em todo o país, havia no ano passado 496.251 presos.

ENCARCERAMENTO
O tráfico aumentou nesses cinco anos, mas a explosão de prisões é resultado da mudança da lei, segundo Luciana Boiteux, professora de direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Há duas razões para explicar o aumento, segundo ela: a pena mínima para traficantes cresceu de três para cinco anos e os juízes estão condenando usuários como traficantes. "A lei deixou um poder muito grande na mão de policiais e juízes, e eles têm sido muito conservadores".
Pesquisa feita no Rio e em Brasília pela UFRJ confirma, segundo ela, a tese de que os que vão para a prisão são bagrinhos. No Rio, 66,4% dos condenados por tráfico são réus primários, segundo análise feita em processos de 2008 e 2009. Em Brasília, esse índice chega a 38%.
"Do ponto de vista carcerário, essa lei é um desastre", afirma Marcelo Mayora, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Um dos problemas da lei, na visão dele, é que não há limites mínimos para caracterizar tráfico, como ocorre na Espanha.
Lá, até 50 gramas de haxixe, não há pena. De 50 gramas a um quilo, é tráfico simples. A pena só fica mais grave quando quantidade vai de um a 2,5 quilos.
O governo reconhece que a lei é mal aplicada e diz que vai dar cursos para 15 mil juízes e promotores para tentar melhorar o uso da legislação.
Juízes encarregados de aplicar a lei rechaçam a pecha de conservadores e a ideia de uma tabela para caracterizar tráfico.
"É normal que juízes tenham critérios diferentes", diz Roberto Barcellos, presidente da Escola Nacional da Magistratura, pela qual já passaram 18 mil juízes. Segundo ele, a lei é boa porque tirou do horizonte a ideia de que punir é prender.

DEPOIMENTO

"O juiz me mandou para o Narcóticos Anônimos"

ESPECIAL PARA A FOLHA

"Fui preso dentro da minha casa, sem mandado judicial, sem nada. Meu ex-cunhado chamou a polícia porque não aguentava mais me ver drogado. Sou advogado, sei que a polícia não poderia ter feito isso. Me bateram, colocaram a arma na minha boca. Mas foi a minha salvação.
Em 2006, voltei a usar mesclado, mistura de maconha com crack. Havia 12 anos eu tinha deixado a droga.
Eu fumava e tinha certeza que havia um helicóptero da Globo me vigiando para me prejudicar na OAB.
Cheguei a fumar 50 pedras por semana e dez trouxinhas de maconha. Gastei mais de R$ 500 mil. No dia 23 de junho deste ano, fez dois anos que parei. O juiz mandou eu frequentar medidas educativas: vou ao NA [Narcóticos Anônimos] três, quatro vezes por semana. É maravilhoso.
Se você tem a mente aberta, para com a droga. Cuspi minha doença. A religião também me salvou.
Antes, fiquei 22 dias numa clínica privada. Foi um horror. Minha sorte é que o sargento que me prendeu me conhece desde criança. Se tivesse ido para a prisão, não ia parar. Na prisão, você não quer ficar consciente."

Nenhum comentário: