quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vistoria aponta cadeias em ruínas e jovens em presídios


Unidade prisional em Cariacica (ES); segundo o relatório do CNJ, superlotação é o maior problema das prisões brasileiras

Maior problema, superlotação de prisões potencializa outras falhas, diz CNJ

Fiscalização em 13 Estados constatou falta de opções de trabalho e educação, celas sujas e denúncias de tortura




FELIPE LUCHETE
FÁBIO FREITAS
DE SÃO PAULO

Presos em contêineres, adolescentes em presídios, estruturas precárias e pessoas doentes misturadas a sadias são parte do retrato do sistema prisional brasileiro traçado por relatórios do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de controle externo do Poder Judiciário.
A superlotação é a maior falha e potencializa outros problemas, diz o conselho.
Desde 2008, o órgão visita presídios, centros de detenção e delegacias em 24 Estados -só em 2010, foram 13. SP, RS e RO aguardam na fila.
O CNJ constatou falta de opção de trabalho e educação, celas sujas e escuras, denúncias de tortura e até um jogo de futebol entre presos e policiais, sem muro de proteção, numa delegacia do AM.
Para a OAB, alguns Estados até têm políticas para recuperar os detentos, mas não em número significativo. "Falta uma política continuada", afirma o presidente da Ordem, Ophir Cavalcante.
A Folha teve acesso a 12 relatórios de 2010. Todos os Estados têm unidades precárias -a exceção é o DF.
Em MG, a cadeia de São João da Ponte (565 km de Belo Horizonte) estava em ruínas. A situação do presídio de Parintins (24 km de Manaus) foi descrita como "calamitosa": grades soltas, paredes balançando, infiltrações e esgoto a céu aberto.
Embora o sistema prisional do ES tenha avançado após discussões na ONU, ainda mantém "masmorras medievais", diz o CNJ. Em MT e PA, foram constatados contêineres usados como celas.
Os 12 relatórios citam prisões estaduais com mais presos do que vagas. Há relatos de doentes misturados a pessoas sadias na penitenciária Francisco D'Oliveira Conde (AC) e de detentos dormindo no chão da cozinha na cadeia de Tocantinópolis (TO).
O CNJ encontrou também cerca de 200 adolescentes detidos irregularmente em presídios de MG.
O conselho não aplica sanções, mas firma acordos de melhoria com os Estados. Os dados podem ainda servir de base para Tribunais de Justiça e Ministério Público.
Os relatórios também mostram pontos positivos, como unidades no DF com terminais de autoatendimento para consulta a processos, prisões geridas pela sociedade civil em MG e presídio feminino em RR com berçário e brinquedoteca.



OUTRO LADO

Maioria dos Estados diz que busca melhorias


DE SÃO PAULO

A maioria dos Estados vistoriados diz que tem investido em reformas e novas unidades. Em MG, prisões precárias foram reformadas, e metade das celas de São João da Ponte foi desativada.
Segundo o governo, agora são menos de cem os adolescentes em presídios e há 9.000 presos trabalhando (60% mais que há um ano).
AM afirmou que está criando unidades no interior e que as redes hidráulica e de esgoto do presídio de Parintins foram reformadas. PR disse que planeja criar 6.000 vagas e uma Defensoria Pública.
AM e do PR não se manifestaram sobre as delegacias.
RR afirmou que não há indícios de tortura e toda unidade tem equipe de limpeza. Prometeu 680 vagas em 2011.
No AC, o governo disse que vai abrir neste semestre 800 vagas e que prisões com problemas no abastecimento de água foram reformadas.
MT afirmou que os contêineres-celas são ventilados e respeitam a "necessidade humana" e que duas prisões serão entregues até julho.
PA preferiu não se manifestar antes de concluir estudo próprio. Em AL, a estrutura precária de unidades se deve a danos em rebeliões e superlotação, diz o governo.
TO disse ter como prioridade reformular o sistema.
ES informou que investiu R$ 420,5 milhões no sistema. PI e DF não se pronunciaram.


Ministra quer que grupo apure tortura em prisão

RODRIGO RÖTZSCH
DO RIO

A ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) disse ontem no Rio que pretende enviar neste ano ao Congresso projeto para a criação de uma comissão de prevenção e combate à tortura em presídios e manicômios judiciais.
Uma das principais propostas é criar uma comissão de peritos de diversas especialidades que terá o acesso às penitenciárias, independentemente da autorização prévia.
"O Brasil reconhece a existência e a presença da tortura nas suas instituições, seja pelos maus-tratos impostos às pessoas que estão ali sob a tutela do Estado, seja pelas penas adicionais que são impostas como a superlotação, a dificuldade de acesso à Justiça", afirmou, após participar de homenagem às vítimas do Holocausto, no Palácio Itamaraty.
Para José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça do governo FHC, a iniciativa é louvável e não encontra empecilhos legais.
"Em princípio, eu sou plenamente favorável, desde que haja uma representatividade séria, independente, e não aparelhamento pelo governo."

ANÁLISE

Entre a necessidade e a situação de caos, já aparece uma luz


JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Superpopulação, corrupção, tortura, prostituição e doenças estão entre as constantes na realidade do sistema penitenciário.
De fato, o sistema carcerário tornou-se um problema endêmico e de enorme complexidade. Enfrentá-lo expõe, entre outras coisas, um jogo de omissões cujo efeito é a reprodução permanente do caos.
A atuação do Conselho Nacional de Justiça rompe parcialmente com a inércia. Em tese, sua intervenção seria redundante. Há órgãos em nível estadual e federal que deveriam estar cumprindo com as funções atribuídas a seus departamentos de fiscalização do sistema carcerário.
É, no entanto, um caso de duplicação cujos resultados são significativos. Principalmente pela importância que dá ao acompanhamento e proposição de soluções para as irregularidades.
Com atitude pró-ativa, o conselho diagnosticou situações há muito conhecidas. Com um diferencial: transforma sua avaliação em resoluções e orientações.
Um exemplo: há muito sabemos que os distritos policiais abrigam milhares de presos em condições sub-humanas.
Hoje, o Poder Judiciário atua em favor de um programa de desativação das carceragens em delegacias. Outra conduta necessária e, diga-se de passagem, óbvia: que "cada órgão cumpra suas atribuições e fiscalize o cumprimento das dos demais".
Em um país com aproximadamente 500 mil presos e precisando construir quase 400 prisões, isso é, certamente, alvissareiro.
JOSÉ DOS REIS SANTOS FILHO é sociólogo da Unesp de Araraquara e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da instituição

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