quarta-feira, 17 de março de 2010

Presídios e contradições do Brasil chocam plateia na ONU



Ana Carolina Moreno
Especial para Terra Magazine

O único evento paralelo organizado pelo Brasil na 13ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, durou apenas duas horas, nesta segunda-feira, 15/3, mas foi o suficiente para fazer o Governo do Espírito Santo reconhecer pela primeira vez que em seu sistema prisional se cometem delitos contra os direitos humanos.

As ONGs Justiça Global e Conectas Direitos Humanos atribuem o êxito do painel, em grande parte, à reação da plateia. "Nossa apresentação chocou as pessoas", contou a Terra Magazine o presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos capixaba, Bruno Alves de Souza.

- Nem tivemos tempo de responder a todas as perguntas delas, o debate foi muito bom. As perguntas foram muito fortes, questionaram se não é contraditório que, no Brasil, que quer atuar agora como líder, ainda existam essas questões - atestou, pouco depois do evento.
Em uma sala com mais de 100 pessoas, entre membros das delegações oficiais de diversos países, ONGs internacionais e funcionários das Nações Unidas, o Secretário de Justiça do Espírito Santo, Ângelo Roncalli, começou seu discurso admitindo que a situação de tortura e maus tratos aos detentos nos presídios capixabas é real e preocupante.

Ele esteve acompanhado por André Almeida e Cunha, Diretor de Políticas Penitenciárias, do Ministério da Justiça, e pelo juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, do Conselho Nacional de Justiça.

"Realmente nos causou bastante surpresa o fato de o governo reconhecer tudo o que nós havíamos dito", afirmou Souza, que denuncia os problemas no sistema carcerário capixaba há anos e já teve suas críticas ignoradas publicamente diversas vezes por Roncalli.

Ainda assim, ele afirma que agora volta ao Brasil otimista de que a nova postura se traduza em ações concretas para devolver a dignidade aos detentos e a credibilidade ao sistema.

- Não nos causou surpresa a saída que o governo pretende dar, que é a construção de vagas. Desde que a gente denuncia, eles só falam em criar vagas, como se esse fosse o problema. O problema é muito maior. Mas quando eles reconhecem a situação eles têm uma responsabilidade muito maior de enfrentá-la. Agora não dá para voltar para o Espírito Santo e permanecer omisso - explica Souza.

Negativamente exemplar

O caso do Espírito Santo não é o único atualmente sob acompanhamento das ONGs, mas foi escolhido para o evento paralelo porque é um dos que está melhor documentado.

O dossiê apresentado revelou uma série de crimes de tortura e submissão dos presos a situações desumanas, como manter pessoas em contêineres de metal onde a temperatura ascende a 50 graus. Um dos exemplos mais simbólicos é o da delegacia de Vila Velha, onde uma cadeia com capacidade para 36 pessoas chegou a conter, em fevereiro, 235 detentos.

O Espírito Santo também carrega outras estatísticas que surpreenderam a comunidade internacional: todo mês, 250 pessoas em média ingressam no sistema prisional, enquanto o número das que o deixam é cinco vezes menor. Além disso, 70% dos detentos estão encarcerados em prisão provisória, ou seja, ainda não foram julgadas em definitivo.

Essa porcentagem exorbitante de uma alternativa que deveria ser excepcional, segundo os especialistas, transgride a Constituição brasileira e acordos internacionais. Entre as consequências da superpopulação estão a perda do controle das prisões, as constantes rebeliões, a forma degradante como se tratam os presos e um alto índice de mortes brutais que o governo não explica e pelas quais também não se responsabiliza.

O Brasil ainda teve que se explicar para a ONU por que ainda não implantou o sistema de prevenção de tortura previsto no Protocolo Facultativo da Convenção da ONU Contra a Tortura, assinado pelo País em 2007.

Visibilidade

Advogada da Justiça Global e também debatedor do evento, Tamara Melo explicou que esse não foi o primeiro nem o maior constrangimento pelo qual o Brasil passou por causa dos abusos cometidos no sistema prisional, mas que o evento foi bem sucedido no sentido de chamar a atenção dos meios de comunicação e da opinião pública dentro e fora do Brasil.

- Mas foi preocupante porque ficou muito claro que a gente não conseguiu uma resposta do Estado. Diante de tudo o que a gente apresentou ele não apresentou respostas. Continuou com o mesmo discurso - afirmou ela.

A advogada explica que, apesar de o grupo de ativistas ter conseguido o reconhecimento público da gravidade da situação por parte do Estado, a postura do governo de Paulo Hartung (PMDB) continua sendo a de combater a superpopulação nos presídios por meio do aumento de vagas no sistema carcerário.

- Quem trabalha com o sistema prisional sabe que isso não resolve o problema. O que a gente vê de forma muito clara é uma política de encarceramento em massa. A superpopulação é um resultado dessa política - analisa.

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