terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Disputa sobre pensões opõe advogados e governo de SP

Reforma da Previdência prevê extinção do Ipesp, que administra carteira da categoria

Estado nega ser responsável por fundo, que tem potencial de déficit de R$ 10,7 bi; OAB diz que vai à Justiça para que governo arque com o rombo

CATIA SEABRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A reforma da Previdência de São Paulo trouxe à tona um esqueleto com potencial de déficit de explosivos R$ 10,711 bilhões: a carteira dos advogados do Estado. Ainda que não sejam servidores públicos, o Ipesp (Instituto de Previdência de São Paulo) é, desde 1970, responsável pela gestão de aposentadorias e pensões de uma carteira exclusiva da categoria, com 35.627 participantes.
Hoje, governo e advogados travam uma batalha prestes a chegar à Justiça. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) quer que o Estado pague a conta. O governo rejeita a responsabilidade pela carteira, que, segundo dados de agosto de 2008, já registra déficit mensal de R$ 1,6 milhão. Arrecada R$ 4,6 milhões e paga R$ 6,2 milhões em benefícios.
Embora o próprio Ministério da Previdência tenha emitido um parecer segundo o qual a carteira não pode ser caracterizada como responsabilidade do Estado, a OAB, a AASP (Associação de Advogados de São Paulo) e o Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo) avisam que vão à Justiça para que o governo arque com o rombo.
O futuro déficit será provocado pela combinação de baixas contribuições com altos benefícios indexados ao salário mínimo. Segundo dados da própria OAB, hoje a média de contribuição dos 32.133 advogados da ativa é de R$ 80 mensais. Já a aposentadoria pode chegar a dez salários mínimos (R$ 4.150 brutos). A projeção de receita ao longo dos próximos 90 anos é de R$ 2,268 bilhões e a de despesa, R$ 12,979 bilhões, gerando déficit de R$ 10,711 bilhões.
O modelo de administração do fundo fere a Constituição em dois pontos: além de não ser destinado a servidores, tem o benefício indexado ao salário mínimo, o que é proibido desde 1988. A carteira também não se enquadra nas regras de previdência complementar, pois as contas não são individuais.
O secretário da Justiça, Luiz Antonio Marrey, recorre ao parecer do Ministério da Previdência para afirmar que "não existe a opção de o Estado ficar com a carteira". Uma das sugestões é que o fundo seja incorporado à OAB Previ, o plano de previdência da entidade.
"Se o Ministério da Previdência diz que o Estado não pode ficar mais com a carteira, não há solução. Ou a carteira tem que ser transferida ou é dissolvida", justifica Marrey.
Já o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso alega que a carteira funciona segundo as regras da lei estadual pela qual foi criada, em 1970.
Participante da carteira -com contribuição de R$ 90 mensais- D'Urso afirma que o governo é o responsável pelo seu destino. "Se, à época [a lei] era razoável ou não era razoável, não entro nesse mérito. Fato é que me formei e, aconselhado pelo meu pai, ingressei na carteira. O argumento do meu pai foi esse: "Pode ingressar porque o governo garante. O Ipesp é do governo". E eu, como outros milhares, entrei na carteira", afirma D'urso.
O superintendente do Ipesp, Carlos Henrique Flory, argumenta, por sua vez, que o instituto é apenas o gestor administrativo da carteira. As decisões cabem ao conselho, composto por OAB, Iasp e AASP.
Segundo Flory, cabia ao conselho adequar a carteira às novas regras. Por exemplo, à Constituição de 1988. "Eles tiveram 20 anos para se adequar. Não dá para ouvir dos representantes da OAB, da AASP e do Iasp que eles não sabem que as leis mudaram. Se fosse uma carteira de físicos nucleares... Mas são advogados."

Buraco
O modelo de contribuição também ajuda para o desequilíbrio da carteira. Advogados pagam prestação que varia de 8% a 32% do mínimo (hoje, de R$ 33,2 a R$ 132,8 mensais).
A cada ano de contribuição, o associado incorpora um percentual do mínimo ao seu benefício, a partir de um fixo de um salário mínimo e meio.
Para ter direito à aposentadoria, é preciso ter 65 anos de idade ou 35 anos de filiação à OAB (não de contribuição). O prazo de carência é de apenas três anos. No setor privado (INSS), o trabalhador contribui com R$ 334,28 para ter direito a um teto de R$ 3.038,99.
Além disso, de 1985 a 2003, a carteira era abastecida por uma cota da taxa judiciária (as chamadas custas processuais), mas o repasse foi extinto em 2003. Graças a esse aporte e ao baixo índice de aposentadorias, a carteira contava, em 2008, com um patrimônio de R$ 972,6 milhões. Mas projeções indicam saldo negativo em 2018.
Antes de ir à Justiça, governo e advogados se confrontarão na Assembleia Legislativa, onde um projeto deve definir o destino dessa carteira.
Apesar de ter sua extinção prevista para julho -por força da reforma previdenciária do Estado em 2007- o Ipesp deverá ser mantido com a missão de administrar a liquidação de outra carteira: a dos serventuários, que registra déficit de R$ 27 milhões mensais. Depois, será incorporado à SP Prev.

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