Por que o sistema de saúde dos presídios é precário? Opine
Os números estão muito aquém do que prevê a portaria interministerial 1.777, de 2003, segundo a qual deveria existir uma equipe de saúde por grupo de até 500 presos. A deficiência em São Paulo foi constatada pelos juízes que participaram do mutirão carcerário realizado no segundo semestre de 2011 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Segundo o juiz Esmar Filho, foram recolhidos depoimentos de mais de 500 detentos em 150 unidades prisionais do Estado e a conclusão a que os juízes chegaram é que as condições de saúde dessas pessoas são “totalmente inviáveis”.
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- A estrutura física dos presídios de São Paulo é boa, as unidades são grandes e há remédios disponíveis, mas há uma urgência por material humano. Dipirona [principio ativo de alguns analgésicos] ali acaba servindo para quase tudo. Isso a gente constatou in loco [no local], entrando nos pavilhões, nas celas e conversando com centenas de presos um a um.
Mesmo sendo o Estado mais rico do país de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a proporção de detentos por médico em São Paulo é maior do que em unidades da federação com os piores índices sociais. Alagoas, por exemplo, que tem o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, dispõe proporcionalmente do dobro de médicos na comparação com os presídios paulistas. São 402 presos para cada profissional. No Piauí (terceiro pior IDH do país), essa diferença é ainda maior: são 202 detentos para cada médico. Os dados são do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Um ginecologista
Uma análise mais detalhada dos médicos empregados no sistema carcerário mostra que a situação das mulheres é ainda mais grave. No total, são 134 clínicos gerais, 72 psiquiatras e apenas um ginecologista para 12.170 detentas em todo o Estado. O advogado da Pastoral Carcerária José de Jesus Filho conta que é muito comum que as detentas mediquem umas às outras.
- Já vi um caso de uma presa que receitou antibiótico para uma colega que estava urinando sangue há uma semana. Na verdade, ela tinha sofrido violência sexual por um policial, mas [o antibiótico] era o que a outra tinha à disposição.
Memórias de indignação
Histórias como essa se multiplicam na memória dos profissionais que já viveram de perto a realidade dos presídios do país. Jesus Filho se indigna ao se lembrar de um preso que morreu em 2011, na capital paulista, depois de cair da cama. De acordo com o advogado, o atendimento teria demorado de dois a três dias após o acidente.
- Infelizmente, têm várias barreiras. Precisa de escolta policial para levá-los [os médicos] a uma unidade de saúde, mas nunca tem pessoal disponível. Aí acontecem essas coisas. Deveria haver plantão 24 horas nos presídios.
- Os profissionais da área acabam desanimando porque o ambiente de trabalho é inadequado. Faltam condições físicas para que eles exerçam sua atividade e também o salário é baixo. Muitos pedem licença ou se afastam mesmo.
Crack
Ex- coordenador de saúde do sistema prisional de São Paulo, o médico Paulo Cesar Sampaio destaca a falta de tratamento para presos viciados em crack. Para ele, esse é um dos maiores problemas de saúde dentro das prisões. Sampaio conta que a facção criminosa que age a partir das unidades prisionais do Estado não permite a entrada da droga lá dentro e os recém-chegados não encontram tratamento para a dependência química.
- O crack é um problema grave lá dentro. Quando o preso chega, ele está em abstinência. É muito problemático porque ele entra em agitação e não tem médicos para atendê-lo.
De acordo com Sampaio, que também é ativista dos Direitos Humanos, havia um tratamento para dependência no Estado, mas ele foi cortado em fevereiro de 2010.
- Cortaram porque não interessa. A ideologia dos presídios não condiz com a ideologia da saúde. Eles acham que prisão é para reprimir e não para tratar.
Medidas
Procurada pelo R7, a SAP afirmou que ainda não recebeu o relatório do CNJ, que deve ficar pronto nos próximos meses. De acordo com o órgão, “todos os reeducandos do sistema são atendidos normalmente” e as unidades contam com auxiliares de enfermagem que atuam nos casos mais simples.
A secretaria disse ainda que um grupo de trabalho foi constituído para discutir como será realizado o atendimento clínico aos presos. Fazem parte do grupo representantes das secretarias da Casa Civil, Saúde e Administração Penitenciária.
Por meio de nota, o órgão disse esperar “que os serviços a serem desenvolvidos sejam bem melhores que os atualmente existentes”.
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