Editorial da Folha de SP
Prisões do país, comparadas a "masmorras medievais" pelo CNJ, são exemplo de barbárie instituída a exigir medidas do poder público Há sempre quem se espante, ao ler sobre os costumes do passado, que escravos fossem açoitados em praça pública, que sentenças de tortura fossem motivo para entretenimento público, ou que, num ambiente de indiferença moral e brutalização cotidiana, doentes mentais fossem abandonados à própria sorte, minorias étnicas fossem trucidadas, e seres humanos tratados como gado a caminho do matadouro.
Como era possível, pergunta-se a consciência ilustrada de nossos dias, conviver com desumanidades desse tipo, como se consistissem na coisa mais normal do mundo? Não se ignorava, por certo, a presença constante da barbárie; nem todos, pode-se supor, aprovavam-na; a situação não se alterava, todavia.
Talvez se venha a ter, no futuro, atitude semelhante de estranheza a respeito dos brasileiros de 2011 -que estão mais do que cientes, há décadas, do que se passa nas prisões de seu país. Filmes, fotos, livros, reportagens, relatórios oficiais, depoimentos registram sem dar margem a dúvidas aquilo que, desta vez, é apontado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário.
Presos são guardados em contêineres em Mato Grosso; há denúncias de que são algemados nus em suas celas, no Espírito Santo; no Distrito Federal, uma mulher absolvida pelo Tribunal de Justiça continuou presa por mais dois anos.
Superlotação, tortura, doença configuram, segundo o relatório da CNJ a que a Folha teve acesso, um quadro comparável ao de "masmorras medievais", para citar literalmente o texto das autoridades. As inspeções, realizadas entre 2008 e 2010, cobrem a maioria dos Estados brasileiros; São Paulo, Rio Grande do Sul e Rondônia ainda esperam avaliação.
Não se trata de permitir privilégios ou luxos a delinquentes perigosos, por vezes tratados até com excessiva brandura pela legislação e pela prática -tão pródiga em indultos e reduções de pena quanto o é, em horrores e violências, a vida prisional.
Denunciar o desrespeito aos direitos humanos nas cadeias não se confunde com tolerância diante do crime. Ao contrário, o quadro de miséria, animalidade e brutalização que se vê nos cárceres brasileiros só vem prefigurar, na verdade, que tipo de pessoas será devolvido à sociedade, quando findar-se o período da pena.
Ao lado de superlotação, insalubridade e maus-tratos nos presídios, também se manifesta, como reverso da mesma moeda, um estado de coisas em que alguns detentos dominam, das próprias celas, as redes do tráfico de drogas, do assassinato de seus pares e da corrupção policial.
Cadeias que, tanto quanto masmorras, são também centros de operação do crime organizado, nada mais refletem do que um único fenômeno: o predomínio da ilegalidade e o caos, no âmago da instituição que deveria representar o último e extremo reduto do poder de coerção do Estado numa sociedade civilizada.
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