terça-feira, 15 de junho de 2010

Estupradores usam nova lei para reduzir tempo na prisão

Lei uniu crimes de atentado violento ao pudor e estupro, permitindo responder por apenas um deles

Já há vários casos de redução de pena pelo país; é tragédia jurídica, dizem promotores e membros do Judiciário

ROGÉRIO PAGNAN
DE SÃO PAULO

O objetivo inicial era tornar a lei mais rígida. Unificar dois artigos do Código Penal para acabar com a expressão "atentado violento ao pudor" e classificar todo o crime sexual como estupro.
Na prática, porém, a nova lei sobre crimes sexuais tornou mais brandas as penas contra os estupradores e já é considerada por membros da Promotoria e do Judiciário "uma tragédia jurídica".
Em quase todo o país, criminosos estão reduzindo suas penas por conta da nova lei, já há casos nesse sentido em SC, RS, MG e SP. No DF, por exemplo, levantamento da Promotoria aponta para pelo menos 25 casos.
Isso ocorre porque no Brasil, até a publicação da lei, em agosto de 2009, o crime de estupro era o ato de um homem introduzir o pênis na vagina da vítima, mediante violência ou grave ameaça.
Os outros "atos libidinosos", como sexo oral e anal, eram tidos como um crime diferente: atentado violento ao pudor (artigo 214).
Era possível, assim, o criminoso ser condenado pelos dois crimes simultaneamente. As penas eram as mesmas: de 6 a 10 anos de prisão. Caso fosse condenado pelos dois crimes, sem eventual agravante, pegaria, no mínimo, 12 anos e, no máximo, 20 anos de prisão.
Na nova lei, porém, há só o crime de estupro (artigo 213) que prevê os atos de "conjunção carnal" e "atos libidinosos". Pena de 6 a 10 anos.
Dessa forma, os juízes passaram a entender que quem foi condenado, por exemplo, a 12 anos pelos dois crimes deve, agora, ter essa pena reduzida para 6 anos.
Como toda nova lei pode retroagir em benefício do réu, muitos advogados foram à Justiça pedir redução ou extinção da pena do atentado.

ENTENDIMENTO ERRADO
A deputada Maria do Rosário (PT-RS), relatora da lei, diz que a interpretação dos juízes está errada. Ela diz, inclusive, que a lei pode até ser alterada caso haja necessidade. "A intenção da legislação é proteger meninos e meninas de estupros. E estabelecer, para a sociedade, que existem várias formas pelas quais o estupro ocorre."
"A intenção do legislador pode ter sido muito boa, mas essas imperfeições redacionais levaram a discussões como essa. Não deram conta de que isso poderia ocorrer. [...] Se o objetivo era agravar, nesse caso gerou uma controvérsia que pode redundar num abrandamento", disse o juiz Ulysses de Oliveira Gonçalves Júnior, professor do Mackenzie e da Escola Paulista de Magistratura.
Para a promotora Maria José Miranda Pereira, de Brasília, a nova lei é uma "tragédia". Ela e o juiz Gonçalves Júnior acreditam que a nova lei pode provocar crimes mais graves.
"Se a pessoa pratica só conjunção carnal, ela vai ter pena de reclusão de seis anos. Se ela pratica coito anal, relação sexual oral, vários coitos, várias conjunções, a pena é a mesma. Isso acaba servindo de estímulo", disse o juiz paulista.
Para o advogado Alberto Zacharias Toron, os juízes estão fazendo uma interpretação correta. Para ele, "os atos preparatórios" de um estupro não podem ser considerados como um outro crime. "Essa não só é uma interpretação correta, como justa."

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