Ano de eleição, de Copa do Mundo e de onda de violência em São Paulo. Foi assim em 2006, com um saldo de 493 assassinatos durante nove dias do período conhecido como maio sangrento. Agora, a fórmula se repete em escala menor e mais localizada, com 26 mortes nas duas últimas semanas na Baixada Santista.
Quem descer a Serra do Mar no fim de semana verá um policiamento ostensivo nas ruas das cidades litorâneas. Só na última quarta-feira (28), 200 homens da Tropa de Choque se deslocaram para a região – um outro reforço já tinha chegado à região na semana anterior. A própria Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo vê semelhanças nos dois episódios separados por quatro anos. “Coincidência ou não, o perfil dos crimes é similar: jovens pardos de periferia mortos com tiros na cabeça por encapuzados que chegaram de moto ou veículos escuros”, afirma o ouvidor Luiz Gonzaga Dantas em entrevista ao UOL Notícias, reforçando que as características são de execução sumária.
Dantas lembra que o detonador das crises foi o mesmo: a morte policial. Em 2006, 46 agentes da lei foram mortos por ordem da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), o que gerou nos dias posteriores uma reação com centenas de tiros dados por pessoas com toucas ninjas. “Desta vez, um PM foi morto no Guarujá e reapareceu a ação de grupos de extermínio”, relata o ouvidor, que já recebeu denúncias sobre os casos e está pedindo inquéritos e exames.
Depois da vitória por 3 a 0 do Santos de Neymar e Robinho sobre o São Paulo na Vila Belmiro, o que garantiu vaga na final do Paulistão, os torcedores festejavam pelas ruas do Guarujá. Foi no meio desse clima que o policial militar Paulo Raphael Ferreira Pires, 27, foi alvejado com dez tiros disparados por dois motoqueiros no distrito de Vicente de Carvalho. A alegria deu lugar ao pânico no bairro popular do balneário preferido dos paulistanos. Na sequência, cinco pessoas foram mortas a tiros. Nos dias seguintes, execuções similares aconteceram em Santos, São Vicente, Praia Grande e Cubatão.
A primeira versão oficial apontava uma guerra entre marginais. O delegado titular do 2º DP do Guarujá, Josias Teixeira de Souza, apontou o crime organizado pela onda de violência e descartou o envolvimento de policiais. A tese principal é que eram “acerto de contas” entre traficantes ou “queima de arquivo”. Já Waldomiro Bueno Filho, diretor regional da Polícia Civil, afirmou que há diversas hipóteses, desde ação de facções criminosas até ações com participação de policiais.
Como em 2006, quando o governo divulgava um número bem inferior de cadáveres daquele que aparecia nos IMLs (Institutos Médicos Legais), as autoridades tentaram novamente diminuir a dimensão da onda de crimes. O comandante do Batalhão da Polícia Militar de Santos, Sérgio Del Bel, falou em “problemas pontuais” e “casos isolados” que aconteceram “fora do eixo dos turistas”. Mas, esse argumento cai por terra com os primeiros testes de balísticas. “Os exames dos projéteis mostram que a mesma arma foi usada em ações em lugares diferentes”, revela Dantas, mostrando ligação entre os crimes na Baixada Santista.
As autoridades também negaram inicialmente que houve toque de recolher, mas vídeos, fotos e depoimentos da população deram conta que as lojas e escolas fecharam na noite de segunda e terça (19 e 20 de abril) no Guarujá, em bairros como Paecará ou Morrinhos, distantes das turísticas praias de Enseada e Pitangueiras.
Com quatro anos de diferença, novamente o consulado dos EUA em São Paulo expediu um documento avisando para os norte-americanos não viajarem para a região. Dessa vez, o alerta causou indignação dos prefeitos da região.
Maria Antonieta, prefeita de Guarujá, falou em “onda de denegrição (sic) que impacta a economia”. Tércio Garcia, prefeito de São Vicente, achou “péssimo” e “precipitado” o comunicado norte-americano, afinal, “a violência não atinge o turista”. O comandante Del Bel classificou de “descabida” e “exagerada” a nota. O diretor Bueno afirmou que os EUA deviam se preocupar com Miami, onde os homicídios são mais numerosos.
Mas nem na região todos seguiram essa lógica. Em enquete realizada pelo site do jornal local “A Tribuna”, 64% dos votantes consideravam que os diplomatas dos EUA agiram bem com a recomendação. Posição similar teve a ONG Mães de Maio, que reúne as mães das vítimas da guerra urbana de 2006 que levou pânico a todo o Estado. “O cônsul está certo, porque ele vem de um país que tem lei. Aqui a lei é o extermínio do pobre”, disse Débora Silva, cujo filho foi assassinado quatro anos atrás.
“A preocupação dos prefeitos é com a economia, o turismo e a imagem do município, não com a vida de seus munícipes. Durante todos os dias de ataques e execuções, nenhum prefeito se manifestou. Foi só quando o consulado norte-americano se pronunciou que os prefeitos de repente ficaram indignados”, argumentou Vera Lúcia de Freitas, outra mãe de vítima de 2006. “O consulado dos EUA quer apenas proteger seus cidadãos, coisa que nossos governantes deveriam fazer com os seus”, completa a militante dos direitos humanos.
Débora conta que em seu bairro (Vila São Jorge, em São Vicente) um lava-rápido foi palco de um assassinato. Perto da casa de sua irmã um ex-soldado foi ferido e está hospitalizado. Ela tentou o contato com a família para prestar ajuda, mas os parentes estão aterrorizados, temendo nova ação dos agressores.
O comandante Del Bel prometeu policiamento ostensivo até o Dia das Mães (2º domingo de maio), principalmente nas áreas e horários em que aconteceram os crimes recentes. Mas a perspectiva é a repetição do arquivamento e impunidade que foram o destino dos 493 homicídios de quatro anos atrás. “Nós trabalhamos como investigadores, buscando provas, coisa que a polícia é paga para fazer. Tudo para depois os casos serem arquivados. O Estado se esconde atrás das toucas ninjas”, declara Débora.
Mães das vítimas do "maio sangrento" de 2006 dão depoimento
Familiares de vítimas no chamado "maio sangrento" de 2006 dão depoimento sobre sofrimento e luta para encontrar culpados e exigir desculpas públicas do governo paulista pela falta de segurança durante o conflito entre a facção criminosa PCC e as forças policiais.
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