domingo, 14 de março de 2010

Amontoados, presos fazem "camadas" no ES

Assista ao vídeo das cadeias do Espírito Santo clique aqui

Para poderem dividir espaço superlotado em DPs, eles se distribuem entre os que ficam no chão, em pé ou pendurados

Calor e cheiro forte emanam das carceragens de delegacias da Grande Vitória; em uma delas, presos ficam algemados pelos pés no corredor


SÍLVIA FREIRE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM VITÓRIA (ES)

O primeiro impacto é o cheiro forte, azedo e repugnante -uma mistura de suor, roupa suja e excrementos. Ouve-se um grito: "Tem um preso cuspindo sangue aqui!". Depois, a onda de calor que vem da cela. A visão de detentos amontoados em carceragens superlotadas completa o quadro visto pela reportagem em seis delegacias da região da Grande Vitória, na semana passada.
Na delegacia de Argolas, em Vila Velha, o calor embaça a lente da câmera do repórter-fotográfico e os óculos da repórter. Um preso passa mal e é retirado da carceragem. Marcos, 38, é algemado pelos tornozelos e fica sentado no corredor. A situação do sistema prisional do ES será tema de painel amanhã na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra. Um relatório vai mostrar o quadro degradante.
Na quarta-feira passada, 153 presos em Argolas ocupavam o espaço com capacidade para abrigar, no máximo, 40. A Folha foi à delegacia no dia de visitas. A irmã e a tia de um preso saem molhadas de suor após uma hora. "Não dá para ficar lá", diz Zilamara Rodrigues, 21.
No DPJ (Departamento de Polícia Judiciária) de Vila Velha, os presos não têm direito a visitas ou a banho de sol. Três ventiladores virados para a cela tentam diminuir o calor.
Na última quarta-feira, 222 deles dividiam espaço destinado a 36. Para caber todo mundo, os presos ocupam também a área que era usada para o banho de sol e se organizam em "camadas": uns ficam agachados ou deitados; outros, em pé; e muitos, pendurados no alto, em redes ou nas grades. No dia seguinte, 60 presos foram transferidos para CDPs (Centros de Detenção Provisórios). Já na delegacia de Novo Horizonte, em Serra, policiais civis armados dão cobertura aos agentes penitenciários quando eles precisam abrir as grades.
Na quarta passada, a delegacia abrigava 304 presos. No chamado cadeião, 263 presos dividiam sete celas com capacidade para, no máximo, oito presos cada uma. No dia seguinte, 60 foram transferidos. No DPJ de Laranjeiras, também em Serra, os presos disseram que se revezam à noite para dormir. Na parede da cela, uma inscrição registra o recorde no local onde cabem quatro: "32 presos em 20/10/2009".
Já no DPJ de Cariacica, 14 presos estavam algemados pelos pés no corredor. Outros oito se amontoavam numa cela com cerca de 2,5 m2. "A gente tem que cagar, tomar banho e dormir no mesmo lugar", disse um. "Isto aqui só passa revolta. Posso matar e roubar, mas sou gente", completou outro.


Prisão-modelo dá médico, trabalho e biblioteca

Sem superlotação, 200 presos fazem ensino médio no local


DA AGÊNCIA FOLHA, EM VITÓRIA (ES)

Limpo, ensolarado e silencioso, o Presídio de Segurança Média 2, no Complexo Prisional de Viana, na Grande Vitória, é o outro lado da moeda do sistema carcerário do ES. A unidade foi apresentada pelo governo do Estado à Folha como um exemplo do que deverá ser adotado até março de 2011.
Lá, não há superlotação e, dos 266 presos que cumprem pena -dois a menos que a capacidade máxima-, 160 trabalham na confecção de uniformes ou na dobradura de folhetos para tintura de cabelos.
Quem não trabalha nem estuda tem direito a banho de sol das 7h às 17h. Em cada cela, há quatro presos e uma TV. Na manhã da última sexta-feira, o preso José Raimundo de Freitas, 62, fazia o esboço de uma paisagem sobre uma tela em um dos corredores do presídio.
"A pintura ajuda a canalizar os pensamentos", afirma ele, que também tem lições de violão no presídio há quatro meses. "Já toco alguma coisinha."
No Média 2 há salas de aula, onde 200 presos fazem o ensino médio, biblioteca e uma unidade de saúde com consultórios médico e odontológico.
"Aqui não temos fugas, rebeliões nem morte", diz Valdir Ferreira, diretor da unidade.
No mesmo complexo, o Presídio de Segurança Máxima 2 de Viana -com 320 presos perigosos- tem controle maior, mas as condições de limpeza e lotação são semelhantes. Os detentos têm direito a duas horas de sol e a uma hora de TV.
Lá, não é permitida a entrada de comida, roupas ou artigos de higiene. O Estado fornece tudo: cinco refeições diárias, uniforme e kits de higiene.
As visitas dos familiares acontecem a cada 15 dias, com duração de duas horas. As visitas íntimas são permitidas como prêmio para o bom comportamento. (SÍLVIA FREIRE)


Delegacias serão esvaziadas em 1 ano, diz governo


DA AGÊNCIA FOLHA, EM VITÓRIA (ES)

O governo do Espírito Santo informou que irá tirar todos os presos das delegacias da Grande Vitória até março de 2011.
O secretário da Justiça, Ângelo Roncalli, reconhece o problema no sistema carcerário, mas diz que investimentos estão sendo feitos: 16 unidades prisionais foram inauguradas pelo atual governo e 11 serão entregues até 2011. O valor investido é de R$ 386 milhões.
Serão abertas mais 5.500 vagas em unidades prisionais, o suficiente, segundo Roncalli, para equilibrar o número de presos e esvaziar as delegacias.
No último ano de seu segundo mandato, o governador Paulo Hartung (PMDB), por meio do secretário de Governo, José Eduardo Azevedo, atribui os problemas do sistema prisional ao quadro recebido em 2003. Na época, diz, eram 3.900 presos e 13 unidades sucateadas e antigas. A partir de 2005, foi adotado um novo modelo de gestão, com a construção de CDPs e presídios modernos.
Segundo Azevedo, o relatório que será apresentado amanhã na ONU por ONGs e pelo Conselho de Direitos Humanos do Estado "é parcial e defasado".
Roncalli, que deverá participar do painel, diz que "faltou reconhecer o que está sendo feito no Estado". Ele nega haver tortura ou agressões a presos. Os casos denunciados, diz, são investigados. "Se descobrir agressão, mando embora."
O secretário mostrou um relato de um detento à Justiça em que ele explica como os próprios presos se agridem entre si para deixar marcas e acusar os agentes de agressão.

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