quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Luiz Eduardo Soares defende transformação profunda do sistema penal — Rede Brasil Atual

Luiz Eduardo Soares defende transformação profunda do sistema penal — Rede Brasil Atual

Antropólogo e cientista político entende que sistema Judiciário mais acessível à população resultaria em uma desconstrução da lógica punitiva das sentenças

Por: João Peres, Rede Brasil Atual

Publicado em 05/10/2011, 12:41

Última atualização às 13:25
Luiz Eduardo Soares defende transformação profunda do sistema penal

O antropólogo Luiz Eduardo Soares entende que a dificuldade de acesso à Justiça é uma das piores formas de exclusão social (Foto: Divulgação)

São Paulo – O antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares defende acabar com os códigos que tornam o poder Judiciário brasileiro inacessível à maior parte da população. Ex-secretário nacional de Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, ele considera que este é o primeiro passo para desmontar às ideias punitivas por trás das decisões judiciais.

“São linguagens, são vocabulários, são repertórios feitos por valores, mecanismos e rituais que não são inteligíveis”, afirmou o autor, durante o lançamento de seu novo livro, Justiça – pensando alto sobre violência, crime e castigo, realizado na terça-feira (4), em São Paulo. Com a obra, seu objetivo é tentar ajudar o leitor a entender o Judiciário. “A Justiça retributiva, que é em torno da qual nós pensamos, pode ser desconstruída criticamente se tivermos acesso à lógica que a preside”, justifica.

A ideia do livro nasceu do documentário Juízo, de Maria Augusta Ramos, que o pesquisador assistiu há cinco anos. Mais especificamente, da cena em que um jovem que havia recebido a liberdade assistida volta a ter o caso avaliado por uma juíza. Ela se assusta ao vê-lo e pergunta por que o jovem está ali. O problema é que ele havia tentado fugir logo após a audiência em que se decidiu pelo fim da privação porque não havia entendido o vocabulário jurídico da magistrada que lhe concedera o benefício.
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Para tornar possível sua nova obra, o escritor de Elite da Tropa, que deu origem aos filmes Tropa de Elite 1 e 2, abriu mão de conceitos jurídicos para trabalhar com situações concretas. Esses casos trazem desafios que, se compreendidos, podem ser avaliados por todos os cidadãos. Para Soares, se a população começar a entender as ideias que regem o Judiciário, passará a contestar a punição fundada sobre a reciprocidade.

Ele acredita que não faz sentido pensar que o Estado terá condições de implicar ao infrator um “pagamento” justo pelos atos que cometeu, ainda que sob um “invólucro civilizado”, ou seja, sem permitir uma política de “olho por olho”. “Justiça não é sinônimo de punição. E punição, mesmo criminal, não necessariamente significa restrição de liberdades. Há alternativas.”

Entre as ditas alternativas ele aponta a necessidade de sentenças que construam políticas públicas voltadas à eliminação do problema provocado pelo infrator. Com isso, o cientista político quer dizer que o Judiciário deve convocar o poder Executivo a explicar a repetição de determinadas práticas e a trabalhar para que elas não voltem a ocorrer. Soares pensa que mesmo a família das vítimas poderia ser incluída nesse tipo de medida, o que acabaria por deixar de lado a ideia de que a restrição de liberdade de quem cometeu o crime é uma espécie de recompensa do Estado a pessoas que sofreram os efeitos da infração.

Para ele, ainda que revelador de certo primitivismo, o sistema prisional é, hoje, o mais aplicável a crimes que atentam contra a vida. Para todos os outros atos, entretanto, o ex-secretário acredita haver possibilidade de se trabalhar com alternativas. “Privação de liberdade apenas para aqueles que, tendo cometido violências, representam um risco. Isso não tem a ver com justiça. Tem a ver com o convívio pragmático de uma situação ameaçadora”, defende. “Mas não nos iludamos. Não pensemos que estamos fazendo justiça com isso. Uma penitenciária não pode ser o ponto final de nossa trajetória civilizatória.”

Soares alerta que os números do sistema prisional brasileiro têm se mostrado inviáveis. Atualmente, segundo o Ministério da Justiça, são aproximadamente 500 mil pessoas privadas de liberdade, o que dá ao país o terceiro maior número absoluto de detentos, atrás apenas de China e de Estados Unidos. A maior parte dos casos responde por crimes conectados a venda de drogas, em muitas ocasiões de pequenos delitos, cuja pena é decorrente de uma interpretação subjetiva do juiz.

“O mundo das drogas está cercado por uma série de imagens e definições que tentam fazer com que associemos todos os que se envolvem em negócios escusos à figura do monstruoso assassino que porta um fuzil”, pondera. Com isso, ele indica que jovens que muitas vezes cometeram um pequeno deslize acabam por ingressar em um sistema prisional no qual farão uma imersão mais profunda, com conotação de aprendizado, no universo criminal.
Políticas e política

Como não poderia deixar de ser, a conversa realizada na terça-feira na capital paulista acabou por ensejar debates a respeito das políticas de segurança pública. Soares defende a refundação das polícias militares e civis como maneira de, por um lado, reduzir os crimes de abuso de autoridade e, de outro, melhorar os índices de investigação.

Ele lembrou o caso da juíza Patrícia Acioli, assassinada em agosto no Rio de Janeiro, considerada uma exceção entre seus colegas na investigação de excessos policiais. De 2003 a 2010, houve 8.708 casos de “autos de resistência” no Rio, segundo o antropólogo, mas a grande maioria não foi investigada por ser considerado normal que se morra no enfrentamento com agentes públicos de segurança.

“Temos um padrão. A situação, nessa escala e nessa regularidade, nos revela um padrão institucionalizado que corresponde a uma política na prática”, lamenta, alertando que não se trata de uma conduta isolada que será combatida com a exclusão dos poucos quadros flagrados no desvio da função. Os autos de resistência são, segundo defensores de direitos humanos, uma forma recorrente de esconder execuções sumárias cometidas por policiais.

Como ex-secretário do Ministério da Justiça, ele critica a omissão dos sucessivos governos federais em combater o número de homicídios registrados no Brasil, que tem os índices mais altos do mundo. “Para um presidente da República, não é um bom negócio avocar a si essas responsabilidades, tornando-se protagonista de uma área problemática, que dá resultados em longo prazo. Esse é um processo de 10, 20 anos para se chegar a um ponto mínimo de racionalidade.”

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